Foto de Rafael Blasi
Por Francis Fachetti
Espetáculo Necessário
Espetáculo: “DIÁRIO DO FAROL” (Literatura de JOÃO UBALDO RIBEIRO).
O FAROL/LÚCIFER E EU; O TRIO DE UMA MALDADE MANIQUEÍSTA.
Em cartaz no necessário Sesc Copacabana- Mezanino: DIÁRIO DO FAROL
– UMA PEÇA SOBRE A MALDADE”. Direção artesanal de Fernando Philbert, com assistência de James Simão. Da obra literária, de grande poderio, nas mãos de JOÃO UBALDO RIBEIRO. Produção minuciosa de Ana Paula Abreu e Renata Blasi; Diálogo da arte produções culturais. Assessoria cuidadosa, como sempre, de Christovam de Chevalier.
É preciso destacar, em uma bela láurea, a um dos maiores nomes das artes: Domingos Oliveira, em um trecho de uma carta enviada por ele, que foi o idealizador/sugestionador da montagem dessa literatura para os palcos
Sinopse:
“Um homem capaz de dissimular, matar e tortura, entre outras vilanias, e via beleza nos atos que praticava. Esse homem pode estar em qualquer lugar, até mesmo isolado numa ilha, como é o caso do personagem-narrador. Romance lançado(1941 – 2014). Sai da literatura para um monólogo, idealizado/ sugerido por Domingos Oliveira. O público entra na sala e já encontra o ator em cena. Ele pede a um espectador que abra a garrafa d’água que beberá ao longo da narrativa”. “Não se deve confiar em ninguém, alerta ele como se agradecesse o favor”.
Uma adaptação de valentia, teatral e coloquial, feita por Fernando Philbert e Thelmo Fernandes. Os palcos cariocas é seivado em vigorosa expressão cênica, por uma obra que o universo, com certeza, conspirou a favor, para que chegasse a nós.
A obra/ texto literário é magníloqua, enfático e sem rodeios no seu propósito; expor a pomposa inescrupulosidade humana, independente de seus motivos, crises, mazelas e justificativas, que são injustificáveis, no seu requinte de absurdidades “reais”. A escatologia do ser humano. Repito: Uma obra magníloqua, lamentando o tamanho de sua crueldade. Um clérigo amoral, inescrupuloso, relata as maldades que perpetuou. Seu mundo virado ao avesso pelas atrocidades sofridas na infância, fazendo-o ler o universo de cabeça para baixo. Um protagonista inspirado nas grandes tragédias gregas e Shakesperianas, levando o espectador a questionar os limites da moral humana. JOÃO UBALDO cria um avassalador homem em carências, protagonizando através de suas idiossincracias inenarráveis, em odiosa ascensão, e um perfeito urdimento para um grande ator destemido.
O espetáculo tem em seu discorrer, uma belicosidade, característica dos propensos à guerra, aguerrido, num paralelo análogo a que infelizmente nós nos encontramos hoje. Apesar disso, à encenação é permeada com maestria direcional e interpretativa, em um espirituoso humor fino, porém, negro, numa tranquilidade nervosa que altera os nervos e a libido do espectador; libido escancarada pelos ditos do clérigo; incrível essa micelânia de sentimentos e sensações reais, abstratas, revoltantes, absurdas, coberto de ousadias e inescrupulosidade. Futilidade, ociosidade, vulgaridade, de um homem/ ator envolto de uma admirável carga dramática em escrita de eloquência, e com a arma da coragem. Você, público, reflete uma poesia tão “inútil” em cena, que a torna obrigatoriamente de necessidade urgente de vê-la e ouvi-la. Você constrói sua própria poética. Esse é o grande trunfo de “DIÁRIO DO FAROL”. A religião denunciada em espúrias, se opondo à ética, em detalhes sórdidos, viciosos, e quase inacreditáveis, mas sim, tangíveis. Um jogo persecutório de vingança, que é o objetivo do personagem, onde ele persegue, busca intencionalmente prejudicar, claro, depois de ter sido destruído desde seu nascimento, por um pai desprovido de afeto, que o chamava de cínico o tempo todo, fazendo-o trilhar um caminho execrável, enredado de denúncias em sujidades/ imúndices, enquanto celibatário/ clérigo de um seminário onde prestava favores sexuais, como tantos outros também prestavam, em troca de privilégios. Trabalhou como informante do DOPS, à polícia do governo militar. Aí está a sacada do grande paralelo com a política atual. Em resumo: “Vaidade, a origem de todos os pecados”. Vaidade no usufruir de uma alma libidinosa e vingativa. Um homem que “amou”, exercendo, obrigado pelo pai, o celibato, e fez de seu único amor verdadeiro, Maria Helena, uma vítima de suas pífias atitudes; Seu algoz. Uma loucura insensata esculpida na teia da libido forçada ou com prazer. Como diz Domingos Oliveira:”É o horror desmascarado exibindo sua face mais horrenda e desfigurada”.” Mas nós de teatro somos assim mesmo, do sexo queremos a vida, na maldade o poeta vê a beleza”.
Cenografia e figurino de Natália Lana, suscita em sua criatividade crível, um cenário de fragilidade literalmente plástica e retratando o emocional do personagem. Uma “futilidade” pendurada e amassada na severidade farta, onde o homem trafega. Sua ilha, de poder desmoronador e um farol defenestrador, pronto, para se livrar de alguém; o farol/Lúcifer.
Ao trafegar nos claros e escuros propostos pelo desenho de luz de Vilmar Olos, se instala o clima enxertado pelo personagem numa corpórea e muito bem subsumida/concebida iluminação necessária para execuções inoculadas.
Comunhão exata com todo o espetáculo, a presença intimista, potente, da trilha sonora, em ondas de rádio e falas gravadas do próprio ator, do brilhante Marcelo Alonso Neves. Uma trabalho palpável.
O aporte direcional de Fernando Philbert faz “jus” à sua trajetória no cenário teatral. Philbert diz:”Domingos Oliveira me fez acreditar em condições adversas, que no palco são solucionadas”.”Adquiri a objetividade e a organização de Gilberto Gawronski”.”Aderbal Freire Filho me deu a grande ferramenta de trabalho: A escuta. Se ator está apenas “vomitando” o texto”. Philbert coloca o espectador imiscuído na cena, assim faz em “DIÁRIO DO FAROL”. Privilegia claramente texto, ator e público. O superficial, na cena dirigida por ele não acontece. Há um mergulho de enredamento nada obscuro. Sua direção dispensa o hermético e da lugar à liberdade maturada junto com o ator, fazendo Thelmo Fernandes desfrutar o personagem tão vil, que JOÃO UBALDO RIBEIRO deleitou na literatura. Fernando Philbert estabelece uma intimidade crucial e expressiva do ator com o público, dando um cunho artesanal à cena. Um deleitar aurífero; texto, ator e espectador.
Como, às vezes, sempre pergunto: O que dizer de Thelmo Fernandes?!Com sua “luz intelectual” e presencial, comprometido na sordidez do homem amoral, engendra, alimentando, com sua tranquilidade nervosa, uma paixão pela sua entrega, fazendo sua libido cênica, entranhar no consciente e na respiração do público. Mesmo num romance, trágico, marcante, sua presença de intérprete faz questionar o bem e o mal; verdade cênica. Quando o bem e o mal se confundem? Um limite tênue que só um verdadeiro ator, com seu ar dileto, muito querido, estimado, desperta. Fernandes cria um homem alheado, com seu amargor, severidade, engolfado, corpóreo em voz, alma e corpo, e nos faz acreditar nele e no seu ar ubíquo/ onipresente. Bravíssimo!!
Um pai que ultraja um filho e o transforma num monstro. Isso é “DIÁRIO DO FAROL”. Um pai que renega, repudia e perjura.
“DIÁRIO DO FAROL é um espetáculo onde um homem mau em sua essência, perspcaz em seus atos, se afunda em sua solidão, se tornando invisível e anunciando suas atitudes letais, pelo farol da ilha que o acolheu, e cuidando do seu Lúcifer interior, exterminando o mundo ao seu redor, com seus atos inapagáveis. Um espetáculo não frugal, não comedido, maturado na maldade maniqueísta, para refletirmos até onde o bem e o mal pode e deve se “excitar”. Como administrar nossos choques existenciais? Um dualismo que se concretiza num erro frondoso, a vaidade. “A arte está num ponto intermediário entre a capacidade de conceituar e de se concretizar”; assim disse o austríaco: ROBERT MUSSIL. É a solidão calcada na leviandade da desatenção nossa de cada dia, a impactante sensação de estar abandonado. Uma cena teatral que chamo de