Em “Todo o dia a mesma noite”, da Netflix, o ator interpreta um pai que perde sua filha que comemorava aniversário naquela noite fatídica. Ele comenta o encontro com o pai na vida real que inspirou seu personagem da ficção, e também sobre as polêmicas envolvendo a repercussão da série de um grupo que quer entrar na Justiça. Aos 56 anos, Thelmo também avalia a paternidade pós 40 anos, e fala do momento de mais destaque no streaming – ele também filma ‘Betinho, no fio da navalha’, e em maio está na terceira temporada de ‘Arcanjo Renegado’, ambos para a Globoplay – após mais de três décadas de trajetória. “Acho que o prestígio que você alcança com seu trabalho e a fama, são coisas diferentes. Talvez na minha carreira não tenha essa fama gritante, de não conseguir andar na rua, por exemplo, mas não sinto que estão me descobrindo recentemente. Acho que na verdade estão associando mais minha imagem ao meu nome”
*Por Brunna Condini
Sensibilidade à dor alheia e uma bagagem de 32 anos emprestando todo repertório de sua existência para viver outras vidas. É com esta bagagem que Thelmo Fernandes nos comove de forma arrebatadora em ‘Todo dia a mesma noite‘, série da Netflix que retrata a jornada de um grupo de pais que perdeu seus filhos no incêndio da Boate Kiss, há 10 anos. Ele dá vida à Pedro, personagem que perde a filha na tragédia. Aqui, o ator conta sobre os bastidores da produção e também sobre como foi encontrar o pai da vida real que inspirou seu papel na ficção. “Conheci o Flávio Silva, pai da Andrielle (que morreu na boate quando comemorava seus 22 anos), uma semana antes do lançamento da série, e ele ainda não tinha assistido. Esse encontro foi uma das coisas mais emocionantes da minha vida, porque fomos visitar primeiro a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, quando conhecemos algumas pessoas, entre elas, o Flávio. A Lígia, esposa dele, inspirou a personagem da Débora Lamm, que faz minha mulher na história. Assim que cheguei, a Lígia me deu um abraço muito apertado, emocionado. E ele também estava assim. Conversamos longamente. Percebemos que temos muita coisa em comum, por incrível que pareça. Com tudo que passou, sua luta, Flávio continua tendo um olhar luminoso para a vida, apesar da imensa dor que sente. Ele me deu um feedback do trabalho depois de assistir a série. Disse que ficou muito mexido, mas que tinha achado bom o resultado. Deve ter sido muito impactante para ele “, revela Thelmo.
Costumo ser pragmático nos meus trabalhos. Mas cheguei a sonhar com as cenas. Costumo sonhar com trabalhos, mas ali precisei entender que, apesar de todo lado emocional, eu era um ator a serviço de um personagem dificílimo, que precisava de muita doação – Thelmo Fernandes
Além da série ‘Todo dia a mesma noite‘, ele também filma ‘Betinho, no fio da navalha’, como Nilo Batista; e a partir de maio está na terceira temporada de ‘Arcanjo Renegado’, em que retorna como o bispo Cristovão, ambas para Globoplay.
Segundo noticiado recentemente, um grupo de pais de vítimas não aprovou a dramatização da história de algumas famílias e pensa até em processar a Netflix. Eles teriam sido pegos de surpresa e não admitiriam ‘comercialização’ em cima da dor causada pela tragédia. “Soube de alguns pais que criticaram, e também que não eram os retratados na série, que não faziam parte específica daquele recorte de pais. O que posso dizer, é que os pais que foram retratados na produção, e as pessoas atingidas direta ou indiretamente, e que estão ali, são muito gratos que esse trabalho tenha sido feito, porque veem nele uma forma de ajudar a luta deles por justiça”.
É muito difícil, 10 anos depois e não ter ainda um desfecho para essa situação em que claramente se sabe quem foram os responsáveis. Claro que mergulhando neste trabalho você se revolta muito mais com toda essa cultura de impunidade do país. Minha esperança é de que com a série, trazendo de volta o assunto, isso contribua para que eles enfim consigam a justiça que tanto buscam – Thelmo Fernandes
Na sua pele
Apesar da preparação cuidadosa, o trabalho exigiu doação e envolvimento extremos. “Foi uma demanda emocional muito grande mesmo. Desde que peguei o roteiro vi que seria um trabalho que exigiria muito de mim. Teve impactos emocionais e de outros tipos. Eram muitas diárias de trabalho intenso. Tive que me preparar diariamente, precisei me cuidar fisicamente e emocionalmente. Mudou muito a minha rotina, fiquei mais recluso, até porque estávamos ainda no meio de uma pandemia”, recorda.
Pai de João, de 15 anos, Thelmo também comenta como a paternidade potencializou a sua vivência no set. “O fato de ser pai ligou algumas chaves, sem dúvida nenhuma. Mas não foi algo determinante para viver esse personagem. Tanto, que temos a Débora Lamm, que não é mãe na vida real, mas fez um trabalho primoroso”. E completa: “O ator não precisa ter uma vivência real para se jogar inteiro, passar verdade, cabe a ele descobrir que sentimentos são esses do personagem . A nossa preparação foi primordial para atingirmos esse lugar de impacto nas pessoas, dando vida à essa família que passou por essa dor imensa. A Helena Varvaki (preparadora), acertadamente, apostou no fortalecimento dos vínculos deles antes da tragédia. E também em quais foram as consequências de tudo o que aconteceu depois”.
Mesmo se revelando um ator que gosta de “ter meus pés mais na razão, e como eu sabia que teria uma entrega emocional absurda, me agarrei a isso, já que precisava estar inteiro no final. Não levei o personagem para casa” – ele diz que a comoção era presença constante e divide um dos momentos mais difíceis das filmagens. “A cena do reconhecimento dos corpos foi terrível. Feita em dois dias, com muita angústia envolvida. Aconteceu uma descarga de sentimentos muito grande. Sabiamente a Júlia Rezende (diretora da série), fez essa sequência em ordem cronológica, o que fez o nosso trabalho ficar mais fluido. Porque tínhamos que buscar esse estado o tempo todo, verdadeiro, o nível de entrega é extremo. Isso é desgastante. Quando terminei parecia que eu tinha corrido várias maratonas”.
Maturidade
Aos 56 anos, o carioca teve o único filho, João, do casamento de 20 anos com a empreendedora e produtora cultural Renata Blasi, após os 40 anos, e fala da experiência. “Meu filho é a coisa mais maravilhosa, importante da minha vida. Interessante, porque teve um período, mais ou menos dos 20 aos 30 anos, que eu não tinha o desejo da paternidade. Essa vontade foi se alimentando dentro de mim com a maturidade. Principalmente por ter encontrado a pessoa certa. Então, o filho veio com a mulher certa, na hora certa, como tinha que ser. Hoje posso dizer que amo ser pai”.
Dono de uma versatilidade que se destaca nos personagens plurais que viveu nos últimos anos, ele fala sobre o momento de mais destaque no streaming. Além da série ‘Todo dia a mesma noite‘, ele também filma ‘Betinho, no fio da navalha’, como Nilo Batista; e a partir de maio está na terceira temporada de ‘Arcanjo Renegado’, em que retorna como o bispo Cristovão, ambas para Globoplay. “Acho que o prestígio que você alcança com seu trabalho e a fama, são coisas diferentes. Talvez na minha carreira não tenha essa fama gritante, de não conseguir andar na rua, por exemplo, mas não sinto que estão me descobrindo recentemente. Acho que na verdade estão associando mais minha imagem ao meu nome. Como tenho feito muita coisa em streaming, e ele está chegando mais rapidamente e com mais volume para todas as camadas da população, tenho a impressão que consegue englobar mais nichos”, diz.
“Sou um ator versátil e quero que no streaming, no audiovisual, eu consiga ter a mesma oportunidade de multiplicidade de personagens que tive no teatro, e acho que isso já vem acontecendo naturalmente. Meu objetivo é fazer cada vez mais personagens que tenham muito a dizer. E não falo só de trabalhos ‘cabeça’. Acredito que muitas vezes uma comédia ‘rasgada’ pode ter muito mais a dizer do que o drama, por exemplo. O que desejo é sempre provocar o espectador de alguma forma”.