Fotos de Rafael Blasi
Por Gilberto Bartholo
Diário do Farol, uma peça sobre a maldade(com todos os seus requintes, mas pode haver muito mais do que estes)
O público se acomoda e fica encantado com o cenário. Já é um bom presságio. Outros já haviam surgido antes; para mim, pelo menos: um espetáculo inspirado num livro de JOÃO UBALDO RIBEIRO, uma direção de FERNANDO PHILBERT e uma interpretação de um dos mais magníficos atores brasileiros, em todas as mídias, porém com destaque maior no TEATRO: THELMO FERNANDES. A expectativa era muito grande. A minha, incomensurável. E o espetáculo tem seu início.
THELMO, transita pelo espaço cênico, com uma garrafinha de água numa das mãos, parecendo meio nervoso, desorientado, já o personagem. Depois de circular bastante, despertando a curiosidade do público, dirige-se a alguém, da plateia, e pede-lhe que abra a sua garrafinha. Feita a gentileza, encara a pessoa, agradece-lhe e, virando-se para o público diz, seca, porém, peremptoriamente, sua primeira fala: “Não se deve confiar em ninguém”. E, pelo que se vai observando, ao longo da peça, parece que o personagem tem razão mesmo. Basta prestar atenção à ultima frase e a todo o texto, durante o qual faz desfilar tudo de mal, de terrível, de inacreditável, que teve a coragem de fazer, durante a sua vida. Vida? Eu disse: “VIDA”? A frase final é esta: “Alguém como eu sempre poderá estar perto de você.”.
O espetáculo foi idealizado pelo saudoso DOMINGOS OLIVEIRA, o qual, infelizmente, não conseguiu chegar a ver concretizado seu projeto, assumido, então, a adaptação dramatúrgica, por FERNANDO PHILBERT e THELMO FERNANDES, como um grande desafio e uma justíssima homenagem a DOMINGOS, por tudo o que ele, mesmo morto, representou, representa e sempre representará para as artes brasileiras, principalmente o TEATRO e o cinema.
“Eu sou o pior dos seres humanos. Encarnei, em mim, tudo o que me conveio.”. Assim se apresenta o personagem, anônimo, porque tantos, como ele, convivem conosco, sob a pele de um cordeiro, na maioria das vezes; doentes, psicopatas, perversos… O personagem deste solo é sombrio, debochado, cínico, dissimulado, pornográfico, perverso… Amoral? Quem sabe?
O escritor JOÃO UBALDO parece se transformar num personagem, quando escreve uma obra como esta. E o faz, despindo-se de qualquer grão de moral e de medo de ser julgado por seus leitores. Assume uma baixeza bárbara que, em absoluto, lembra a sua doçura, como pessoa, e o seu tom de artista da pena, em outras obras, a não ser na hilária “salada de pimenta bem ardida”, que é sua “A Casa dos Budas Ditosos”, obra na qual a persona JOÃO UBALDO se mostra “travestido” de uma personagem feminina, para lá de despudorada; lasciva, como amante profissional, e “professora” dos prazeres da carne.
Não conheço, ainda, a obra original, o romance, mas espero fazê-lo o mais rápido possível. Posso, porém, de posse do texto da peça, acreditar que, apesar de uma tarefa hercúlea, para PHILBRT e THELMO, o resultado da adaptação é excelente.
Considero muito difícil, no TEATRO, dirigir uma única pessoa em cena, num solo, no que FERNANDO PHILBERT parece ter-se transformado num especialista, a julgar, para não citar mais títulos, dois de seus grandes sucessos de direção de monólogos: o premiadíssimo “O Escândalo Philippe Dussaert”, interpretado por Marcos Caruso, e “As Melhores Coisas da Vida”, este mais recente, um grande sucesso, vivido por Kiko Mascarenhas, duas peças marcantes e, por isso mesmo, inesquecíveis. Com um grande profissional sob sua direção, como no caso da peça em tela, PHILBERT conseguiu transpor, para o palco, todas as intenções do romancista UBALDO, extraindo, do ator, seu grande potencial interpretativo, com boas marcações e ótimo aproveitamento do espaço cênico, além de dosar e variar os momentos de maior ou menor tensão, na peça; aqueles em maioria.
THELMO FERNANDES atinge um nível de interpretação que nos leva a considerar este trabalho como um dos melhores de sua longa carreira de cerca de 30 anos. Para mim, iguala-se a seu inesquecível, e menos malvado, Creonte em “Gota D’Água”. Ator muito versátil, que brilha nos dramas, nas comédias e, até, nos musicais, na pele deste personagem de “ILHA DO FAROL”, ele, de certa forma, sai de uma zona de conforto, sempre cercado por grandes companheiros de cena, e se lança, corajosamente, à missão de interpretar um solo, como um psicopata, que, no fundo, vive (?) para dar trocos, vive (?) movido pelo amargo sabor da vingança, alternando momentos de grande ira e agressividade com debochadas cenas de sarcasmo e cinismo, de uma falsa bondade. Ele nos faz acreditar que pode parecer bom, em determinados momentos, e apenas, nada mais que isso, uma vítima da sociedade. E como trabalha bem o corpo, a voz e as máscaras faciais, para garantir veracidade a seu trabalho! Um dos melhores atores do TEATRO BRASILEIRO e um dos meus preferidos, de cuja amizade muito me orgulho, o que, absolutamente, não é o motivo para tantos elogios, uma vez que sei, muito bem, separar o lado pessoal do profissional.
Quando falei, na primeira frase desta crítica, do cenário impactante da peça, não disse que ele é obra da genialidade da jovem e talentosa cenógrafa NATÁLIA LANA, que também assina o discreto figurino, sobre o qual quase nada há a ser dito. Quanto ao cenário, porém, é uma obra muito interessante, porque é simples e, ao mesmo tempo, pode provocar grandes ilações em cada espectador. Do teto, pendem espécies de cortinas, que vão até o chão, confeccionadas com um plástico grosso, incolor, meio translúcido, meio opaco, com enrugamentos. Essas peças, que lembram tapadeiras, estão distribuídas no espaço cênico, do centro do palco para trás, em várias posições, e o ator vai surgindo por detrás delas, ou entre elas circula, o tempo todo. Passou-me a impressão de que a ideia era mostrar que tantos faroleiros, como aquele, existem pelo mundo e podem surgir do nada, a qualquer momento, criando novas e sucessivas expectativas, para o público. Ao mesmo tempo, servem para desfocalizar, alterar os traços físicos do personagem.
É muito apropriada, para criar o clima de suspense, de mistério e, até mesmo, de horror, a excelente iluminação, obra de VILMAR OLOS, que optou por uma luz mais “fechada”, menos intensa. Fraca, mesmo.
MARCELO ALONSO NEVES, compôs, cuidadosamente, uma excelente trilha sonora (original), que ajuda a pontuar a diversidade de cada cena. Talvez seja uma das trilhas sonoras para TEATRO que mais me lembraram as que são compostas pata o cinema. Tem “cara’ de trilha sonora cinematográfica e é muito boa.
O material de “vídeo mapping”, produzido por JEFF ARCANJO e RAFAEL BLASI, quando utilizados, entram em momentos certos, para ajudar a criar aquele mesmo universo já citado, quando me referi à iluminação.
FICHA TÉCNICA:
Da obra de João Ubaldo Ribeiro
Idealização e Inspiração: Domingos Oliveira
Adaptação: Fernando Philbert e Thelmo Fernandes
Direção: Fernando Philbert
Assistência de Direção: James Simão
Interpretação: Thelmo Fernandes
Cenografia e Figurino: Natália Lana
Iluminação: Vilmar Olos
Trilha Sonora Original: Marcelo Alonso Neves
“Video Mapping”: Jeff Arcanjo e Rafael Blasi
Fotografia e Programação Visual: Rafael Blasi
Assessoria de Imprensa: Christovam de Chevalier
Direção de Produção: Ana Paula Abreu e Renata Blasi
Apoio de Produção: James Simão
Produção: Diálogo da Arte Produções Culturais
Realização: Blasi & Fernandes Produções Artísticas e Diálogo da Arte Produções Culturais
SERVIÇO:
Temporada: De 29 de agosto a 22 de setembro de 2019.
Dias e Horários: De 5ª feira a domingo, às 20h.
Local: Mezanino do Sesc Copacabana.
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana – Rio de Janeiro.
Telefone: 2547-0156.
Horário de Funcionamento da Bilheteria: Das 9h às 20h, de 3ª a 6 feira, e das 12h às 20h, nos finais de semana.
Valor do Ingresso: R$30,00 (inteira), R$15,00 (meia entrada ou ingresso solidário, para quem levar 1kg de alimento, para o projeto Mesa Brasil, do Sesc RJ) e R$7,50 (associados Sesc).
Duração: 70 minutos.
Classificação Etária: 16 anos.
Gênero: Drama.
Não se deixe assustar ou se abater com ou (pel)o que eu escrevi, embora tudo seja a mais pura verdade. Antes de qualquer coisa, devemos saber que estamos na plateia de um Teatro e que aquilo que vemos e ouvimos é ficção. Doída, é verdade, uma exacerbação do que possa existir na vida real, mas “é de mentirinha”. E não deixem de assistir a este, que é um dos melhores espetáculos a que já assisti nesta ano da (falta de) graça de 2019!
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
COMPARTILHEM ESTE TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!